Uma visão circular do mundo

Entre os rostos planos das Personas e a transparência sólida das paisagens mais recentes de Solange Magalhães desdobram-se quase trinta anos de trabalho. Ao vermos parte deste longo percurso, agora exposto no Museu de Belas Artes, percebemos, claramente, diferentes fases resultantes da construção progressiva de um imaginário autônomo em relação aos movimentos artísticos ocorridos nas últimas décadas. O sentido das transformações da obra desta artista deve ser buscado, unicamente, no interior de sua solitária produção. É possível vê-lo como a busca de Solange pela posse do próprio olhar, procura também tornada nossa através dos rastros perenes constituídos pelos desenhos e as pinturas.
Ao refazermos essa viagem inconclusa deparamo-nos, ainda em seu início, com as Personas. Estes quase rostos parecem recusar qualquer comunicação com o espectador. São vistos mas não vêem, ou melhor, esforçam-se em contemplar um outro lado. Os olhos retorcidos perseguem um mundo “dentro” da superfície plana do quadro. Tateiam uma espécie de visão do interior que pode ser tomada enquanto emblema daquele momento do olhar do artista.
O caminho introspectivo das Personas termina produzindo situações imaginárias muito particulares: embriões de paisagens e seus elementos, quase plantas, quase bichos, quase gente. Tudo é transição. A estrutura plástica e cromática das paisagens futuras de Solange ainda é apenas horizonte, mas a linha sinuosa que organiza o espaço dos trabalhos abstratos já as anuncia e prepara.
As abstrações situam-se pois em um tênue limite entre dois mundos. Aquele que se desdobra para dentro, até 1978 e o que se volta para o exterior, nas paisagens.
A ausência de vestígios da presença humana coloca o espectador destas paisagens em um tempo primordial da visualidade. A suspensão do tempo abre-se para uma contemplação do espaço que suscita, silenciosamente, nossa introspecção.

Fernando Cocchiarale
Curador da mostra no Museu Nacional de Belas Artes 1995