Solange: uma verdadeira inauguração

É uma inauguração para a vida da pintora, e é uma inauguração na pintura propriamente dita. O fato é que tenho confiança na trajetória da arte de Solange: não vi nada igual. A limpidez e a nitidez misturadas à fantasia solta e livre e misteriosa.
É uma pintura sem compromisso com escola nenhuma. É inteiramente individual. Há cinco anos Solange pinta. As cores também não têm compromisso sequer com nuances: são violentas, o que é uma garantia de equilíbrio, sanidade, de profundo vôo até... até onde vai esse vôo que não prescinde de matéria? Que carrega consigo um erotismo também límpido, sem libertinagem.
Uma alegria de viver brota das cores brilhantes e do recorte sem medo das formas corajosas. Também não se trata de pintura primitiva. Sei somente que quem tiver uma “Solange” em casa poderá no futuro dizer: tenho uma “Solange” da primeira fase. Pois é evidente que a evolução já está deixando suas marcas até nos quadros atuais.
Como descrever suas espécies de fantasmas? Não, não são fantasmas, são mulheres de um futuro diferente, com rosto cor branca do mais puro cal. E os bichos, que têm formas estranhas mas sempre formas de bichos, parecem usar máscaras eles também. Nos dezoito quadros expostos já há duas fases: caberá ao crítico defini-las e decifrá-las. Quanto a mim, quero ter uma Solange comigo: quero poder olhar e olhar até entender também com a cabeça – pois meu subconsciente já entendeu e ama esses quadros.
Como lhe nasceu a vontade de pintar? Ela sempre rabiscava. Até que Aloísio, seu marido, lhe perguntou: “Por que não leva a sério o que você faz?” “Mas esses rabiscos?” “Sim, esses rabiscos...”
Na primeira fase desenhou com lápis de pastel de óleo, em preto e branco, depois vermelho e azul, indo aos poucos ganhando o domínio das outras cores. Quando começou a pintar mesmo, estava segura das cores e das linhas. E fez o que se chama de “Solange”.

Clarice Lispector – 1968