Depoimento

Certa vez comentaram na minha frente que, segundo Salvador Dali, a pintura só poderia existir entre a latitude da Espanha e a latitude de Alemanha. E que André Lhote na sua viagem ao Brasil teria recomendado a possíveis paisagistas: “Escureçam o céu” porque, na opinião dele, no Brasil havia luz demais para se pintar paisagens! Não se pode pedir a europeus acostumados com um espaço bem comportado, luz bem comportada, volumes bem comportados, que entendam este nosso sol a pino, nosso sol que despreza as sombras.
Aqui, Vida significa um desafio maior, e pintar é ato de vida. À luz correspondente um espaço épico. O sol esmaga a paisagem em evoluções de terras, de florestas, de águas que detém um fogo interior sempre latente, à flor da pele, pronto a explodir. Se falo de paisagem é por sentir que cada vez mais estou chegando a ela. Em relação à minha pintura, constato com o recuo fundamental do tempo, que durante 13 anos até 1975, atravessei um ciclo de gestação, passando inicialmente pelo caos, donde surgiram seres metamórficos, numa fusão incessante de todos os elementos de vida, explodindo a seguir para se reduzirem à sua mais simples expressão, como as letras do alfabeto, um vocabulário pessoal. O ciclo atual é, para mim, um nascimento. Começou com uma procura de luz, uma recusa de regiões sombrias ou duvidosas, como se tudo que escondemos a nós mesmos fosse ligado às trevas, e a luz à essência da vida. Donde uma matéria muito transparente. A paisagem está surgindo naturalmente com seus elementos básicos: terra, água, espaço, fogo. Sim, pintar é um ato de vida

Solange Magalhães – março 1978