Esta é a segunda
exposição individual de Solange Magalhães. A primeira
foi em 1968, no Rio de Janeiro e agora Solange, com a humildade de um
artista ainda posto sob questão, quanto ao julgamento crítico,
se submete ao rigoroso público de São Paulo sempre esclarecido
pelo expressivo número de experts de arte, da imprensa e do convívio
de museus e galerias.
A procedência e a formação de Solange Magalhães são válidas para a afirmação de um artista, nos dias atuais. Estudante de física, após concluir aquele grave e tradicional curso de humanismo de sua pátria de origem, a França, verificou que vivia um conflito de decisão vocacional, entre uma carreira de ciências exatas, ou a de enveredar pelo mundo da criatividade estética. Decidindo-se por este, Solange aceitou o mais difícil, uma vez que seu equipamento já estava definido como conhecimento lógico. De fato, nada é mais conflitante que o impulso intuitivo em face da ponderação racionalista. A criatividade estética em termos lógicos, absolutos, é realizável, e é desse modo que a história percorre desde Euclides até o reencontro com George Vantongerloo. Entretanto, não é nada fácil, quando a carga do conhecimento lógico se incumbe de policiar o intuitivo, exigindo depuração do impulso lírico. Ajudou muito a Solange ser esposa de Aloísio Magalhães, aquele pintor do abstracionismo lírico de quinze anos passados, aplaudido pela crítica coletânea e que, por discernimento autocrítico, se decidiu ao estudo da teoria, chegando a formar uma das escolas pioneiras em nosso país... Solange tomou o caminho oposto, isto é, do lógico para o lírico, o que se torna mais desfavorável em razão do instrumental próprio do pensamento racionalista de que não poderá desprender-se. Caminho e atitude difíceis, mas não de todo impossíveis. Apenas pouco freqüentes na crônica contemporânea. Paul Klee, Wassily Kandinsky, Juan Miró, Victor Brauner, Willy Braumeister fazem o capítulo da reformulação do cosmo, através o percurso do caos. Isto equivale a uma ordenação de valores lógicos que numa primeira visão – no modo em que se mostram antes de se comunicarem – pareceriam formas primárias – (compatíveis ao desenho infantil, à composição dos primitivos e de determinadas projeções de psicopatias) – entretanto realizáveis quando entendidos no nível da linguagem estética em que são reconsiderados e propostos. Solange admite o exercício de desenhar, de compor, a partir do gestual, impondo a ordem compositiva até o encontro especificamente da forma. Numa segunda etapa prática a passagem desta para a composição, isto é, para as cores. Se as formas são alusivas à natureza física – (vegetais, bichos, cenas, etc.) – o teor referencial é propositadamente anulado até restar como simples linha que divide espaços e como simples formas que fazem uma composição. As cores, nesta conduta, não estão comprometidas nem com a referência e nem com a expressividade. São usadas, simplesmente, como elementos apropriados para efeitos de vibração ótica pretendendo atingir diretamente a retina, sem a interferência da tradução empírica desvaliosa. Nesta conduta se intenciona a comunicação intelectiva do teor estético de uma imagem visual do mesmo modo que ocorre com a imagem auditiva, musical, de uma ordem melódica, de uma harmonia. Não desejo julgar, em definitivo, a pintura de Solange Magalhães: Considero-a no grupo dos que assumiram o risco de uma atitude intelectual, oposta à atitude promocional, e identifico-a entre os que se submetem à demora da mensagem, como tem ocorrido a Antônio Henrique Amaral e a José Roberto Aguilar, daquele jeito que determinou aloga espera de reconhecimento de Tarsila do Amaral, tão negada nos dias de suas proposições. Clarival do Prado
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